O Ouro Verde foi inaugurado em 1952, como cinema chic, que ofertava a Londrina e região os grandes filmes exibidos em outros centros, principalmente São Paulo. Foi a partir de 1972, após ser adquirido pelo Governo do Estado e repassado à Universidade Estadual de Londrina, que o Ouro Verde se transformou em teatro e centro cultural da cidade e região, papel que desempenhou até a destruição por um incêndio, em 2012. Quem acompanhou esta história revela a importância do prédio para a comunidade londrinense.
DOMINGOS PELLEGRINI – Para o escritor, cultivar a História é, antes de tudo, não esquecer. “O Cine Ouro Verde foi criado por uma associação de cidadãos que queriam trazer para a Capital do Café os filmes que passavam em São Paulo. Embora bastante inadequado para isso, tornou-se cine-teatro quando passou a ser gerido pelo Estado, com seu saguão usado também para artes plásticas. Reformado, deixou de ser cinema, continuando como palco também para música e dança, até o incêndio. Esperemos que agora renasça como polivalente casa das artes de Londrina, com o devido custeio oficial e participação comunitária, para que funcione bem, que é o que importa. É a Fênix londrinense, simbolizando a Londrina que superou geadas e crises.” Domingos Pellegrini
HYLEA FERRAZ - A musicista e produtora cultural, de 57 anos, conta que se apresentou pela primeira vez no Ouro Verde em 1977, no Festival Nacional do Choro, que reuniu os melhores músicos do estilo do País. “A partir daí, subi muitas outras vezes naquele palco, como professora de música, aluna e artista. Por isso ele é muito importante para mim”, afirma.
Os anos de ouro, diz Hylea, foram entre o final da década 1980 e o início dos anos 1990, quando o teatro abrigou os festivais de música e teatro da cidade e os shows do projeto Pixinguinha, que reunia grandes artistas brasileiros. “Tudo acontecia ali. Cinema, teatro, dança e música. No saguão, artes plásticas e fotografia”.
Ela fala sobre o incêndio. “Foi uma sensação tão dolorida, parecia que não era verdade”, lembra. O teatro abrigava dois pianos e os instrumentos da Orquestra da UEL. “Por sorte, os pianos estavam embaixo e não foram atingidos. A orquestra tinha tocado em outro lugar na semana anterior e os instrumentos não estava lá. Se tivessem sido atingidos pelo fogo, o desastre seria maior”, afirmou.
CARLOS EDUARDO JORGE - O chefe da Divisão de Cinema e Vídeo da UEL, Carlos Eduardo Lourenço Jorge, dirigiu o Ouro Verde entre 1978 e 1991. “Ele tem uma importância muito grande, porque foi a casa de espetáculo pública. O Ouro Verde é o teatro da comunidade”, afirma. “Eram muitos eventos. Tivemos grandes nomes aqui, como o argentino Astor Piazzolla, que tocou em nosso palco. Foi realmente a época de ouro”, destacou.
Lourenço Jorge explica que o Ouro Verde era uma ponte para os espetáculos que vinham de São Paulo e Rio de Janeiro para a região Sul. “Foi estabelecida uma rota para o Sul do Brasil que terminava no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, passando pelo Guaíra, em Curitiba. Não só nós buscávamos pelas atrações, como os produtores vinham atrás de nós para apresentar os espetáculos”, contou. “Foi um período muito feliz para a cultura local. A população gostava muito, o Ouro Verde estava sempre lotado”, disse.
APOLO MARIO THEODORO - Para quem conhecia apenas o acanhado cinema de Lajes do Muriaé, com lotação máxima de 50 pessoas, o Ouro Verde , a que foi apresentado ao chegar a Londrina, aos dez anos de idade, em 1955 - era um “cinemaço”. A mãe do jornalista e ator, no entanto, o proibia de frequentá-lo, alegando que era local só para os bacanas, enquanto eles, pobres, tinham que se contentar com o Cine Londrina.
O Ouro Verde era considerado o cinema mais luxuoso e moderno da América do sul. O Londrina era amplo, mas a decoração, simples. “Passava em frente, me detinha, admirava os cartazes e olhava com avidez o interior do Ouro Verde”, recorda-se o jornalista e ator. “E ficava só na vontade”. Até que, aos 13 anos, estudante pela manhã e office-boy à tarde, numa revendedora de veículos, recebeu o primeiro salário e não resistiu: foi assistir a um faroeste na primeira sessão noturna, sem informar os pais.
Vibrava com as cenas até que o lanterninha, acompanhado de um homem, entrou na sala de exibição e passou a focar fila por fila os assistentes até chegar a ele, que estava no fundo. Quando a lanterna o iluminou, o homem informou o funcionário: “É aquele ali?”
Era seu pai, que o conduziu pelo braço à rua, onde lhe aplicou um cascudo e informou que a mãe estava passando mal por causa de seu desaparecimento, do qual a polícia havia sido notificada.
“Esqueci o nome do filme, mas a cena jamais”, diz Apolo, que voltaria a ter dois encontros emocionantes com o Ouro Verde: quando encenou a “Ópera do Velho Malandro”, adaptação de Paulo Briguet ao clássico de Chico Buarque, e ao ser informado do incêndio. “Fiquei abalado”.
“O cinema renasceu”, comemora Apolo. “As obras demoraram, não importa, importa é que temos de volta, remoçado, o velho Ouro Verde”.
NELSON CAPUCHO – O jornalista e poeta compôs “Ver-te de novo, Ouro Verde”.
“Tijolo por tijolo, peça por peça: mãos de artífices remontam o incontornável quebra-cabeça.
Renasce a luminosa ave das cinzas de um triste carnaval. Dos entulhos de um incêndio, rebrota a luxuosa nave. E uma cidade volta a sonhar os sonhos mágicos da arte.
Ouro Verde, meu Ouro Verde: como é bom ver-te de novo.
Da sinfonia de ferramentas ressurgem palco, poltronas, balcão e corredores. O túnel do tempo na neblina ganha uma chave de reestreia. Revoa o pássaro de renovadas plumas. Um grito ecoa na plateia: ?Resistir é minha sina!?
Acendem-se as luzes, abrem-se as cortinas:
"Viva a fibra dos pés vermelhos! Viva Villanova Artigas! Viva
o artista brasileiro!"
MARCO ANTÔNIO FABIANI – O médico e escritor escreve “O guardião dos tesouros”
“Londrina abraça o teatro Ouro Verde derramando todas as formas de amor. Como a mãe que murmura canções de ninar, como irmãos que se reencontram após muitos anos, como o pai que recebe o filho dado como perdido. A cidade sente o Ouro Verde como guardião de seus maiores tesouros. Estão ali escondidos sob poltronas, sob estantes dos camarins, atrás dos porta-cartazes do seu hall exuberante, a gênese do que somos.
É da natureza dos teatros serem assim: perpetuar nas paredes, nos assoalhos, sob tapetes, os sentimentos que constroem metrópoles. Buenos Aires, sem o Teatro Colón, continuaria a ter o tango, o bom vinho, a ?parrillada?, mas algo de essencial teria se perdido. Sem o Teatro Municipal, São Paulo não expressaria sua modernidade. O Teatro Guaíra é quase extensão da palavra Curitiba.
E o Teatro Ouro Verde, construído onde um dia foi a sede da Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná, é nosso maior símbolo. Não só pelas linhas elegantes e curvas, pela expressão arquitetônica de Artigas, a anunciar o novo; pela memória de uma época próspera e grandiosa. Mas, principalmente, porque ele é o retrato vivo a mostrar que por aqui renascemos das cinzas”.
DOMINGOS PELLEGRINI – Para o escritor, cultivar a História é, antes de tudo, não esquecer. “O Cine Ouro Verde foi criado por uma associação de cidadãos que queriam trazer para a Capital do Café os filmes que passavam em São Paulo. Embora bastante inadequado para isso, tornou-se cine-teatro quando passou a ser gerido pelo Estado, com seu saguão usado também para artes plásticas. Reformado, deixou de ser cinema, continuando como palco também para música e dança, até o incêndio. Esperemos que agora renasça como polivalente casa das artes de Londrina, com o devido custeio oficial e participação comunitária, para que funcione bem, que é o que importa. É a Fênix londrinense, simbolizando a Londrina que superou geadas e crises.” Domingos Pellegrini
HYLEA FERRAZ - A musicista e produtora cultural, de 57 anos, conta que se apresentou pela primeira vez no Ouro Verde em 1977, no Festival Nacional do Choro, que reuniu os melhores músicos do estilo do País. “A partir daí, subi muitas outras vezes naquele palco, como professora de música, aluna e artista. Por isso ele é muito importante para mim”, afirma.
Os anos de ouro, diz Hylea, foram entre o final da década 1980 e o início dos anos 1990, quando o teatro abrigou os festivais de música e teatro da cidade e os shows do projeto Pixinguinha, que reunia grandes artistas brasileiros. “Tudo acontecia ali. Cinema, teatro, dança e música. No saguão, artes plásticas e fotografia”.
Ela fala sobre o incêndio. “Foi uma sensação tão dolorida, parecia que não era verdade”, lembra. O teatro abrigava dois pianos e os instrumentos da Orquestra da UEL. “Por sorte, os pianos estavam embaixo e não foram atingidos. A orquestra tinha tocado em outro lugar na semana anterior e os instrumentos não estava lá. Se tivessem sido atingidos pelo fogo, o desastre seria maior”, afirmou.
CARLOS EDUARDO JORGE - O chefe da Divisão de Cinema e Vídeo da UEL, Carlos Eduardo Lourenço Jorge, dirigiu o Ouro Verde entre 1978 e 1991. “Ele tem uma importância muito grande, porque foi a casa de espetáculo pública. O Ouro Verde é o teatro da comunidade”, afirma. “Eram muitos eventos. Tivemos grandes nomes aqui, como o argentino Astor Piazzolla, que tocou em nosso palco. Foi realmente a época de ouro”, destacou.
Lourenço Jorge explica que o Ouro Verde era uma ponte para os espetáculos que vinham de São Paulo e Rio de Janeiro para a região Sul. “Foi estabelecida uma rota para o Sul do Brasil que terminava no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, passando pelo Guaíra, em Curitiba. Não só nós buscávamos pelas atrações, como os produtores vinham atrás de nós para apresentar os espetáculos”, contou. “Foi um período muito feliz para a cultura local. A população gostava muito, o Ouro Verde estava sempre lotado”, disse.
APOLO MARIO THEODORO - Para quem conhecia apenas o acanhado cinema de Lajes do Muriaé, com lotação máxima de 50 pessoas, o Ouro Verde , a que foi apresentado ao chegar a Londrina, aos dez anos de idade, em 1955 - era um “cinemaço”. A mãe do jornalista e ator, no entanto, o proibia de frequentá-lo, alegando que era local só para os bacanas, enquanto eles, pobres, tinham que se contentar com o Cine Londrina.
O Ouro Verde era considerado o cinema mais luxuoso e moderno da América do sul. O Londrina era amplo, mas a decoração, simples. “Passava em frente, me detinha, admirava os cartazes e olhava com avidez o interior do Ouro Verde”, recorda-se o jornalista e ator. “E ficava só na vontade”. Até que, aos 13 anos, estudante pela manhã e office-boy à tarde, numa revendedora de veículos, recebeu o primeiro salário e não resistiu: foi assistir a um faroeste na primeira sessão noturna, sem informar os pais.
Vibrava com as cenas até que o lanterninha, acompanhado de um homem, entrou na sala de exibição e passou a focar fila por fila os assistentes até chegar a ele, que estava no fundo. Quando a lanterna o iluminou, o homem informou o funcionário: “É aquele ali?”
Era seu pai, que o conduziu pelo braço à rua, onde lhe aplicou um cascudo e informou que a mãe estava passando mal por causa de seu desaparecimento, do qual a polícia havia sido notificada.
“Esqueci o nome do filme, mas a cena jamais”, diz Apolo, que voltaria a ter dois encontros emocionantes com o Ouro Verde: quando encenou a “Ópera do Velho Malandro”, adaptação de Paulo Briguet ao clássico de Chico Buarque, e ao ser informado do incêndio. “Fiquei abalado”.
“O cinema renasceu”, comemora Apolo. “As obras demoraram, não importa, importa é que temos de volta, remoçado, o velho Ouro Verde”.
NELSON CAPUCHO – O jornalista e poeta compôs “Ver-te de novo, Ouro Verde”.
“Tijolo por tijolo, peça por peça: mãos de artífices remontam o incontornável quebra-cabeça.
Renasce a luminosa ave das cinzas de um triste carnaval. Dos entulhos de um incêndio, rebrota a luxuosa nave. E uma cidade volta a sonhar os sonhos mágicos da arte.
Ouro Verde, meu Ouro Verde: como é bom ver-te de novo.
Da sinfonia de ferramentas ressurgem palco, poltronas, balcão e corredores. O túnel do tempo na neblina ganha uma chave de reestreia. Revoa o pássaro de renovadas plumas. Um grito ecoa na plateia: ?Resistir é minha sina!?
Acendem-se as luzes, abrem-se as cortinas:
"Viva a fibra dos pés vermelhos! Viva Villanova Artigas! Viva
o artista brasileiro!"
MARCO ANTÔNIO FABIANI – O médico e escritor escreve “O guardião dos tesouros”
“Londrina abraça o teatro Ouro Verde derramando todas as formas de amor. Como a mãe que murmura canções de ninar, como irmãos que se reencontram após muitos anos, como o pai que recebe o filho dado como perdido. A cidade sente o Ouro Verde como guardião de seus maiores tesouros. Estão ali escondidos sob poltronas, sob estantes dos camarins, atrás dos porta-cartazes do seu hall exuberante, a gênese do que somos.
É da natureza dos teatros serem assim: perpetuar nas paredes, nos assoalhos, sob tapetes, os sentimentos que constroem metrópoles. Buenos Aires, sem o Teatro Colón, continuaria a ter o tango, o bom vinho, a ?parrillada?, mas algo de essencial teria se perdido. Sem o Teatro Municipal, São Paulo não expressaria sua modernidade. O Teatro Guaíra é quase extensão da palavra Curitiba.
E o Teatro Ouro Verde, construído onde um dia foi a sede da Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná, é nosso maior símbolo. Não só pelas linhas elegantes e curvas, pela expressão arquitetônica de Artigas, a anunciar o novo; pela memória de uma época próspera e grandiosa. Mas, principalmente, porque ele é o retrato vivo a mostrar que por aqui renascemos das cinzas”.