Mulher com deficiência é reintegrada à família depois de 26 anos

Publicação
25/07/2018 - 16:00
Editoria

Ana (hoje com 39 anos) passou 26 anos em hospitais psiquiátricos ou casas de acolhimento e, no fim do ano passado, foi reintegrada à sua família, no litoral do Paraná. Sua história mostra tanto a mudança da visão oficial sobre as doenças e distúrbios mentais quanto a importância do serviço Residência Inclusiva, disponível na rede socioassistencial.

Essa modalidade de acolhimento é o último recurso para pessoas com deficiência que perderam todos os vínculos e não têm condições de ter vida autônoma. No Paraná, existem residências inclusivas municipais em Cascavel, Apucarana, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa e Toledo, além de duas regionais em Irati. A Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social oferece apoio técnico e financeiro a essas unidades.

As equipes socioassistenciais de Irati foram as responsáveis por Ana reencontrar sua família. “É bem difícil fazer essa reintegração, porque existem poucas informações a respeito das famílias das acolhidas. Normalmente, não se tem nem seus nomes reais”, explicou Renata de Andrade, psicóloga do serviço em Irati.

INTERNAÇÕES – Ana tinha família. Porém, devido ao vício em bebidas alcoólicas e a violência constante do pai, a menina, então com 13 anos, e quatro irmãos foram afastados judicialmente da família e passaram a viver em uma unidade de acolhimento, chamada de casa-lar. Lá ficaram até a mãe se separar do homem violento e tentar recomeçar a vida. Na ocasião, a instituição de acolhimento liberou apenas os quatro irmãos da adolescente, com a justificativa que Ana tinha deficiência intelectual e a mulher não teria condições de cuidá-la.

Foi a última vez que a família esteve junta. A mãe de Ana contou a assistentes sociais e psicólogas que, depois de reencontrar a filha, tentava vê-la nas instituições em que ficou internada, mas a visita era negada. Com o passar do tempo, ou pela falta de dinheiro para viajar a Curitiba, onde estava a filha, ou por sempre ser impedida de vê-la, a mãe desistiu.

Ana passou por instituições psiquiátricas e de acolhimento cinco vezes. Na última instituição que esteve, Ana não interagia com outras pessoas, além dos profissionais da casa. Por fim, Ana foi integrada à residência inclusiva estadual, que atende a região de Irati.

REENCONTRO – Em 2015, as assistentes sociais encontraram a mãe de Ana, no litoral do Estado. O trabalho de reaproximação com a família continuou em Irati, no ano seguinte.

Pouco mais de um ano depois, a família foi finalmente reunida. A psicóloga Renata disse que a história de Ana foi perdida e não existem relatórios confiáveis sobre o que aconteceu. “Precisávamos saber se a história que havia era verídica, para podermos pensar se a reintegração era a melhor opção”, explicou Renata. “No processo, percebemos que era melhor para a Ana voltar ao convívio com os irmãos e a mãe”.

VIDA - Hoje, Ana mora com a mãe, uma irmã e a sobrinha. Ela continuou os estudos iniciados quando ainda estava na residência inclusiva. Sua deficiência lhe permite certa autonomia, que a garota “treinou” na residência, antes da integração.

“Resgatar esses vínculos é resgatar a ideia de segurança, é resgatar a ideia de afeto, entender que se pode estar perto de alguém que ame e proteja. Existe a possibilidade de elas terem uma vida, daqui para frente, diferente”, afirmou Renata.

PRECONCEITO – Ana morou com mais seis acolhidas em uma das residências inclusivas de Irati. Na outra casa, mais seis estão acolhidas. Elas têm idade entre 26 e 56 anos, não mantêm vínculos familiares conhecidos e passaram em um momento ou outro por violações de direitos, como são concebidos atualmente.

Luiz Henrique Palavicini Selivan, que coordena o serviço em Irati, disse que a melhora no relacionamento das acolhidas é claramente perceptível. Elas moram em uma casa comum e têm afazeres domésticos, de acordo com o grau de comprometimento.

O coordenador relatou que, quando elas chegaram, eram mais agitadas e, como duas são surdas, o volume das vozes alterava e vizinhos ouviram gritos. “Era difícil para a comunidade entender como pessoas com deficiência poderiam estar inseridas em um bairro nobre”, relatou Luiz.

MUDANÇA – Foi preciso que alunos de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) orientassem os moradores do bairro sobre o serviço e como era o comportamento das acolhidas. O mesmo trabalho foi feito com policiais militares e socorristas, frequentemente acionados pelos vizinhos por causa de gritos ou barulho.

“A pessoa com deficiência já está incluída na sociedade. O que a gente precisa fazer é incluir a sociedade na vida dessas pessoas. Isso é a real inclusão social”, disse Luiz.

“As meninas”, como chama carinhosamente as acolhidas, que antes eram tidas como um problema para a sociedade, hoje elas são acolhidas pela comunidade onde residem. “Elas ocuparam um espaço que era de direito delas”, acrescenta Luiz.

O coordenador explica que pequenas atitudes no dia a dia mostram que o trabalho está dando resultado. “São coisas que nos deixam felizes, como uma acolhida poder visitar sua vizinha, ter uma relação de vizinhança, brincar com o bebê da vizinha. Para a gente, é bastante satisfatório perceber que a sociedade conseguiu mudar seu olhar, se sensibilizar com esse público e se despir dos preconceitos que causavam tanto medo e tanta revolta”.